Lei da Saúde Mental deve “deslocar o foco” da doença para a prevenção, defende o CNS

10/03/23
Lei da Saúde Mental deve “deslocar o foco” da doença para a prevenção, defende o CNS

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) defende que a nova lei da Saúde Mental deve “deslocar o foco dominante na doença e na sua remediação” para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e de bem-estar da população.

“Recomenda-se deslocar o foco dominante na doença e na sua remediação para as estratégias de prevenção e da promoção da Saúde Mental, para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas”, refere o parecer solicitado ao CNS pela Comissão de Saúde da Assembleia da República sobre a Lei de Saúde Mental.

O diploma do Governo foi aprovado na generalidade no parlamento em outubro de 2022 e pretende substituir a legislação sobre esta matéria em vigor há cerca de 20 anos.

A proposta de lei, que baixou à Comissão de Saúde, insere-se na reforma da Saúde Mental que o Governo quer concluir até final de 2026 e que recorre a 88 milhões de euros para investimentos nesta área, disponíveis no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

No seu parecer, o órgão independente de consulta do Governo, presidido desde fevereiro pelo médico Dr. Vítor Ramos, reconhece a importância do diploma para a definição dos direitos e deveres das pessoas com necessidades de cuidados de Saúde Mental, permitindo salvaguardar a sua liberdade e autonomia.

No entanto, o CNS salienta que as perspetivas da promoção da Saúde Mental e da prevenção “deveriam ter maior proeminência e implicações práticas” nesta lei.

O parecer preconiza a inclusão de medidas que visem a prevenção e a promoção da Saúde Mental, “dando corpo à noção da necessidade de cuidados de Saúde Mental a todas as pessoas que deles necessitem sem sofrerem de uma doença mental, nos diversos contextos e fases de vida, nomeadamente, ao nível das escolas, trabalho e da comunidade”.

O documento alerta também que a nova lei "acentua em demasia o conceito de perigosidade social em detrimento de outras dimensões centrais para o tratamento involuntário, o que para além de não responder às exigências necessárias, ainda pode contribuir para o agravamento do estigma” em relação à Saúde Mental.

O órgão independente defende ainda que devem estar previstas medidas associadas ao tratamento involuntário em ambulatório, dada a sua maior complexidade de implementação, alertando que, sem estas medidas, “teme-se que o internamento acabe por ser, muitas vezes, a única opção”.

O CNS recomenda também a correção de “expressões desajustadas da realidade atual” das equipas multidisciplinares com várias profissões autorreguladas, apontando o exemplo do termo “sigilo médico” que deve ser alterado para “sigilo profissional em saúde”.

Refere ainda que o reforço das intervenções a nível local, no âmbito da promoção da Saúde Mental, da prevenção de perturbações e doenças evitáveis ou do tratamento e controle das doenças mentais, requer uma “atenção especial ao enquadramento e desenvolvimento de equipas multiprofissionais de proximidade”.

“Para além dos serviços de saúde tradicionalmente considerados, deverão ser envolvidos de modo estruturado recursos e atores, presentes e atuantes em cada comunidade e relevantes para as estratégias preventivas e assistenciais em Saúde Mental, designadamente organizações locais, de apoio social, farmácias, entre outros”, indica o CNS.

Já no âmbito da equidade no acesso aos tratamentos, o documento avança com a possibilidade de os doentes poderem beneficiar, em contexto ambulatório e nas farmácias comunitárias, da mesma comparticipação que nos serviços de saúde mental ou no Serviço Nacional de Saúde das classes terapêuticas destinadas ao tratamento voluntário, “evitando desigualdades injustas no acesso a benefícios associados ao tratamento farmacológico das suas doenças”.

O CNS salienta que a proposta de lei configura “mais humanização dos cuidados de saúde e promove mais participação de quem é cuidado, na medida das suas capacidades”.

“Sublinha-se a preocupação de garantir a participação das pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental, e respetivos familiares e cuidadores, na definição das políticas e planos de Saúde Mental”, destaca o parecer, ao sublinhar ainda que o diploma privilegia o tratamento ambulatório, reservando o internamento para as situações com indicação precisa para isso.

“O CNS louva, por isso, o esforço de repensar a organização da prestação de cuidados de Saúde Mental, de procurar uma terminologia mais inclusiva, nomeadamente, através da substituição do conceito de "internamento compulsivo" pelo de "tratamento involuntário", da inviabilização do internamento de duração ilimitada para inimputáveis, da reavaliação da periodicidade de revisão obrigatória da situação da pessoa internada”, refere.

De acordo com o Ministério da Saúde, o diploma, que teve o contributo de um grupo de peritos, pretende atualizar a legislação que vigora nas últimas duas décadas, tendo em conta os desenvolvimentos científicos, jurídicos e de direitos humanos registados ao longo desse período.

Esta nova lei incide sobre a definição, fundamentos e objetivos da política nesta área, consagra os direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e regula as restrições destes direitos e as garantias da proteção da liberdade e da autonomia.

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