Do stress à conceção: os desafios mentais da fertilidade

Ana Carina Valente
23/10/24
Do stress à conceção: os desafios mentais da fertilidade

Leia o artigo de opinião de Ana Carina Valente, psicóloga e orientadora parental, além de docente no Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA), sobre a relação da saúde mental e emocional com a saúde física na fertilidade.

“A relação entre saúde física e mental pode ser complexa, apesar de sabermos que são mutuamente responsáveis pela nossa qualidade de vida e bem-estar, mostra-se necessário que, cada vez mais, se observem as pessoas e as situações numa abordagem biopsicossocial. A fertilidade, é uma das áreas em que o impacto (e a relação) da saúde mental e emocional com a saúde física deve ser considerado.

Por exemplo, inúmeros estudos têm evidenciado o impacto do stress nas alterações hormonais. O caso do cortisol, a chamada “hormona do stress”, que quando presente em níveis elevados tem o potencial de contribuir para alterações hormonais que podem influenciar diretamente a fertilidade. Ainda a salientar que situações de sofrimento psicológico intenso ou stress prolongado, podem resultar em problemas hormonais e provocam alterações nos ciclos menstruais ou alterações na ovulação, dificultando a conceção.

Percebemos também que a “persistência” de emoções negativas, de níveis elevados de ansiedade ou a exaustão emocional, podem contribuir para o aumento de comportamentos de risco para a saúde e para a adoção de hábitos pouco saudáveis, como uma alimentação descuidada, consumo excessivos de álcool ou drogas, sedentarismo, alterações ou aumento do peso, alterações do sono, (…). Estes comportamentos podem afetar o estado de saúde, parecendo criar um círculo vicioso onde a saúde mental e física, “adoecem” mutuamente. Devemos contemplar também, o papel da saúde mental no comprometimento do sistema imunológico (e.g. depressão, stress) e o impacto do sofrimento psicológico e emocional no relacionamento amoroso, causando muitas vezes, isolamento, distanciamento ou diminuição do desejo sexual.

Estes exemplos devem fazer-nos refletir sobre a relação que existe entre saúde mental e a fertilidade: parecem estar intrinsecamente ligadas o que demonstra a importância temática, refletida nos resultados do III Inquérito FutURe, realizado pela Merck junto de mais de 9.000 jovens das Gerações Z e Millennial de 15 países, um dos quais Portugal, que mostra que quase metade desta população no nosso país sentem desconforto emocional frequentemente, sendo a incerteza sobre o planeamento familiar futuro um dos aspetos que mais motivam o seu mal-estar.

É importante agir. Existe, de facto, a necessidade de abordar os problemas emocionais e psicológicos como parte integrante dos cuidados com a fertilidade. Entender esta relação e procurar formas de ajudar e minimizar as consequências negativas destas dimensões na vida das pessoas, não esquecer que vivemos em contexto de crise de natalidade por toda a Europa. E esta reflexão tem que ser feita, do poder político às empresas, passando pelos profissionais de saúde, todos os que possam tomar medidas para a mudança, têm a responsabilidade de AGIR.

Saúde psicológica e emocional e os problemas financeiros

O mesmo inquérito realizado pela Merck, diz-nos que a componente financeira é uma das razões mais referenciadas para o desconforto emocional nos jovens. A ansiedade, por exemplo, vai impactar os níveis de stress diminuindo os níveis de bem-estar e a nossa saúde física e mental.

Como já referido, o contributo que este pode ter para as alterações hormonais, quadros de exaustão física e emocional, depressão, como consequência a saúde reprodutiva pode ser afetada.

A ansiedade financeira pode ter particular influência, no adiamento da decisão de constituir família, ‘empurrando’ o desejo de engravidar para fases financeiramente mais estáveis, o que coincide muitas vezes com fases mais tardias do ciclo vital, em que o potencial reprodutivo pode ter diminuído (como acontece a partir dos 35 anos). Observemos também pessoas com condições socioeconómicas mais precárias (ou com baixo rendimento), que revelam ter hábitos e estilos de vida menos saudáveis – má nutrição, ausência de exercício físico, cuidados de saúde insuficientes - fatores estes, que podem agravar os problemas de saúde reprodutiva, criando barreiras adicionais para aqueles que desejam engravidar. Por fim, é importante não esquecer os níveis de educação mais baixos, podem também relacionar-se com um menor nível de literacia ou menos informação sobre saúde, neste caso a reprodutiva, contribuindo para escolhas menos informadas e para uma menor compreensão dos fatores que influenciam a fertilidade."

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